Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva*
* Juiz de Direito em Florianópolis/SC, Mestre e doutorando em Direito pela UFSC, Diretor de Ensino da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC), e autor de “Gestão Pública e a Reforma Administrativa no Brasil” (Juruá, 2002) – cerf7996@tjsc.jus.br
As novas regras de Direito Positivo, criadas a partir da Constituição de 1988, seguem o fenômeno mundial que Mauro Capelletti chama de agigantamento do Poder Judiciário. Junto a novos entendimentos e interpretações, acontece uma explosão de litígios e a chamada judicialização da política que, para Werneck Vianna, é fruto da decadência do welfare state e do descrédito das instituições políticas clássicas.
Apesar de se tratar de um fenômeno planetário, inevitável e irreversível, o Judiciário continua trabalhando com bases teóricas e metodológicas fincadas no Século XIX e demonstra muita dificuldade para encontrar seu lugar, visto que esbarra em procedimentos inadequados, lentos e caros, diante da crescente demanda por soluções racionais, rápidas e econômicas.
Por outro lado, podem ser observadas com facilidade as intensas mudanças ocorridas em todas as áreas do conhecimento humano como fruto da chamada revolução informacional, caracterizada por Manuel Castells pela enorme capacidade de processamento de informações, em velocidade cada vez maior e a custos cada vez menores.
No Poder Executivo, essa transformação começou na década de 1990, calcada num discurso econômico de equilíbrio fiscal e na valorização do princípio da eficiência, que traduz a lógica liberalizante hegemônica até 2008. Contudo, os valores da chamada nova administração pública não foram suficientes para enfrentar a demanda por serviços públicos, que cresce com o aumento da população e não se reduz com o uso das novas tecnologias de informação.
O Poder Judiciário tem uma visibilidade muito maior através da mídia, principalmente com a intensa renovação verificada nos últimos anos, desde a magistratura de 1º grau até o Supremo Tribunal Federal. A Reforma do Judiciário iniciada com a Emenda Constitucional n. 45/2004 veio inserir o Direito à razoável duração do processo no art. 5º, LXXVIII, da Constituição. O princípio da eficiência chegou aos Tribunais em 2005 quando da criação do Conselho Nacional de Justiça. Programas de Metas Prioritárias, Justiça em Números e publicação de dados estatísticos como taxas de congestionamento e o Índice de Confiança no Judiciário traduzem a noção da lentidão do serviço judiciário sentida há muito pela população.
A política de planejamento estratégico e os Pactos Republicanos dela decorrentes apresentam aspectos positivos ao estabelecer, de forma pedagógica, diretrizes gerais que melhoram o serviço e, de maneira republicana, promovem o respeito a direitos fundamentais e pretendem sepultar velhas práticas patrimonialistas. Por outro lado, a imposição de políticas públicas sem debate prévio, de forma centralizada e sem maior preocupação com a representatividade da sociedade civil, sufoca o que a magistratura possui de mais rico: sua extensa capilaridade, e sua enorme capacidade de criação.
Verifica-se aqui um evidente conflito entre a reprodução do modelo já existente e uma verdadeira democratização do Judiciário, antigo sonho acalentado pela magistratura. Há necessidade de mudanças na base para acelerar essas transformações, não só com a adoção da informatização e do processo virtual, mas com novas formas não adversariais de resolução de conflitos. Muito se tem falado sobre o chamado Juiz gestor e a urgência de uma mudança de mentalidade nos operadores do Direito. A informatização deve significar um efetivo acesso à Justiça, com participação de todos os interessados, mais do que um simples facilitador do trabalho.
Na informatização, pode-se observar o mesmo conflito que opõe uma lógica de substituição àquela que permita o aprendizado e a extensão das capacidades humanas. A tecnologia está a serviço de quem a desenvolve, daí a prevalência de uma lógica econômica que tende a prevalecer numa modernização conservadora, formalista, centralizadora e hierarquizante, com subordinação do homem à máquina, cujo melhor exemplo se vê nas máquinas de caixa eletrônico dos Bancos.
Esse fato gera uma tendência à maximização de conflito sobre interesses sociais, na medida em que a tecnologia tende a ser utilizada como simples substituição de mão de obra. Jean Lojkine faz um estudo sociológico sobre o impacto da informatização nas relações de trabalho em que destaca duas tendências antagônicas: ver os trabalhadores como “peças vivas” da engrenagem ou como profissionais dotados de capacidade reflexiva para interagir e aprimorar o sistema.
Desde Hobbes até Max Weber é antiga a comparação do Estado a uma máquina. Michel Crozier aponta causas de círculos viciosos no fenômeno burocrático que podem ser facilmente identificáveis no Poder Judiciário brasileiro: impessoalidade das regras com subjetividade na sua aplicação, centralização das decisões com desconcentração na operacionalização, isolamento e falta de comunicação entre as categorias, acarretando o desenvolvimento de poderes paralelos em torno das áreas de incerteza e gerando o “impossível diálogo entre os cegos e os mudos”.
A lógica econômica e o mecanicismo tendem a predominar, ignorando o aprendizado e fazendo com que o operador veja a máquina como um espião em vez de uma ferramenta que pode potencializar sua capacidade de trabalho e também sua criatividade. Tudo depende do contexto em que se inserem as relações humanas. Lojkine acrescenta uma advertência: “Toda tentativa de modificação de regras pelo alto provoca reforço no bloqueio comunicativo”.
Ao permitir a todos o acesso ao conhecimento, possibilitando o surgimento de uma consciência reflexiva, a informatização é o ponto de partida para uma mudança da racionalidade não apenas na organização do trabalho no Judiciário, mas nas relações sociais. Construí-las cabe a nós!
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