ntrevista DON TAPSCOTT
A inteligência está na rede
Revista Veja, ed. 2212, de 13/04/2011, pp. 19/23 (páginas amarelas)
O canadense Don Tapscott, 64 anos, fala em um ritmo pré-digital: lento, cadenciado, meticuloso. Nada nele trai que foi um rebelde nos anos 60, insurgindo-se contra a guerra no Vietnã e na opressão da mulher, ou que seja hoje um dos mais respeitados estudiosos do impacto da tecnologia nas empresas e nas sociedades. Autor e coautor de catorze livros, Tapscott participará no dia 3 de maio, em São Paulo, a convite do Grupo TV1, de um seminário sobre o futuro do marketing. A internet, diz ele, não muda o que aprendemos, mas o modo como aprendemos – e o impacto disso será tão intenso quanto a invenção dos tipos móveis da imprensa por Gutenberg. “Não vivemos na era da informação. Estamos na era da colaboração. A era da inteligência conectada”, explica. Na entrevista a seguir, Tapscott diz como vê as empresas e os governos da nova era.
Há tecnologias que melhoram a vida humana, como a invenção do calendário, e outras que revolucionam a história humana, como a invenção da roda. A internet, o iPad, o Facebook, o Google são tecnologias que pertencem a que categoria?
À das que revolucionam a história. O que está acontecendo no mundo de hoje é semelhante ao que se passou com a sociedade agrária depois da prensa móvel de Gutenberg. Antes, o conhecimento estava concentrado em oligopólios. A invenção de Gutenberg começou a democratizar o conhecimento, e as instituições do feudalismo entraram num processo de atrofia. A novidade afetou a Igreja Católica, as monarquias, os poderes coloniais e, com o passar do tempo, resultou nas revoluções na América Latina, nos Estados Unidos, na França. Resultou na democracia parlamentar, na reforma protestante, na criação das universidades, do próprio capitalismo. Martinho Lutero chamou a prensa móvel de “a mais alta graça de Deus”. Agora, mais uma vez, o gênio da tecnologia saiu da garrafa. Com a prensa móvel, ganhamos acesso à palavra escrita. Com a internet, cada um de nós pode ser seu próprio editor. A imprensa nos deu acesso ao conhecimento que já havia sido produzido e estava registrado. A internet nos dá acesso ao conhecimento contido no cérebro de outras pessoas em qualquer parte do mundo. Isso é uma revolução. E, tal como aconteceu no passado, está fazendo com que nossas instituições se tornem obsoletas. Os exemplos estão por toda parte. As instituições globais não conseguem resolver a crise da dívida na Europa. Os jornais estão entrando em declínio. As universidades estão perdendo o monopólio da educação superior. São instituições da era industrial, que estão finalmente chegando ao fim.
Quais são, na sua visão, as principais características da sociedade pós-industrial?
Na era industrial, tudo é feito para a massa. Criamos a produção de massa, a comunicação de massa, a educação de massa, a democracia de massa, a sociedade de massa. A característica central da sociedade industrial é que as coisas começam com um (aquele que tem o conhecimento) e chegam a muitos (aqueles que não têm conhecimento). No modelo da educação de massa, eu sou o professor, porque tenho o conhecimento, e os outros são os alunos, porque não têm o conhecimento. O fluxo é sempre no sentido de um para muitos. No sistema de saúde, eu sou o médico, porque tenho o conhecimento, e os outros são os pacientes, não apenas porque estão doentes, mas porque não têm o conhecimento. De novo, é de um para muitos. A democracia de massa funciona nos mesmos moldes. Os eleitores votam num dia, mas apenas um governa por alguns anos. Na sociedade pós-industrial, o conhecimento será transmitido não mais de um para muitos, mas de um para um ou de muitos para muitos. Será a era da inteligência em rede, num sistema de colaboração de massa.
No melhor espírito capitalista, as pessoas cuidam de seus próprios interesses. Por que subitamente se entregariam à colaboração coletiva?
Porque a internet está derrubando radicalmente o custo da colaboração e s era do interesse das pessoas colaborar umas com as outras. Por exemplo: a indústria chinesa de motocicletas é formada por centenas de pequenas empresas que cooperam entre si. Não há uma empresa central, uma sede, uma fábrica nos padrões tradicionais da era industrial. Os envolvidos se encontram em casas de chá ou conversam on-line. Cada um responde por uma parte do negócio. Um fabrica o sistema de ignição, outro faz os freios, um recolhe o dinheiro, outro opera o marketing do produto. Em pouco tempo, essa rede se tornou a maior indústria de motocicletas da China. No meu penúltimo livro, chamei esse sistema de wikinomia, a fusão de “wiki” com “economia”. É o princípio da Wikipédia aplicado à economia. A Wikipédia não tem dono, é feita por 1 milhão de pessoas, já é dez vezes maior que a Enciclopédia Britannica e é traduzida em 190 idiomas. Os estudos mostram que a Wikipédia é quase tão precisa quanto a Britannica. A wikinomia é a arte e a ciência da inovação colaborativa. Será a mudança mais profunda na estrutura das corporações em um século. Vai mudar o modo como inovamos, o modo como criamos bens e serviços. Como a internet reduz brutalmente o custo da colaboração, as pessoas podem se juntar e criar valor, sem o sistema tradicional de hierarquias.
Qual é o setor da economia que melhor aplica os princípio da wikinomia?
Há exemplos de empresas isoladas, não de setores inteiros. A Procter & Gamble, conglomerado de produtos de higiene e limpeza, está usando a colaboração em massa. Começou procurando uma molécula capaz de tirar mancha de vinho tinto da roupa. Em vez de buscar a resposta entre os 7 mil engenheiros químicos fora da empresa. Multiplicou a probabilidade de encontrar o que busca. Quem sabe um químico aposentado em São Paulo ou um químico recém-formado em Nova Délhi aparece com a resposta certa. Nesse caso, a P&G paga 300 mil dólares ao químico e fica com um novo produto.
Qual é o setor mais atrasado na wikinomia?
Sem dúvida, o setor financeiro. Os bancos funcionam na velha base da sociedade industrial. Pelo menos nos Estados Unidos, eles têm sido a própria negação dos cinco princípios centrais da nova economia, que são: colaboração, abertura, compartilhamento de propriedade intelectual interdependência e integridade. A crise financeira de 2008 é resultado da mais perfeita negação desses princípios.
Na economia tradicional, há uma tensão permanente entre o estado e a iniciativa privada. Nawikinomia, qual é o papel do estado?
Os governos, com as toneladas de informações que possuem, podem se transformar em plataformas para criação de valor. Recentemente, numa conversa com autoridades de Melbourne, a segunda maior cidade da Austrália, pedi um exemplo de dados arquivados pela polícia local. Eles citaram estatísticas sobre acidentes com bicicletas. Eu disse: “Ótimo. Então coloquem essas estatísticas na internet e aposto que, dentro de 24 horas, alguém vai aparecer com algum tipo de mapa interativo dos lugares mais perigosos. Em breve, as pessoas estarão evitando os locais mais perigosos e Melbourne estará salvando vidas sem gastar um tostão”. É um exemplo trivial de como os governos podem atuar como plataforma para criação de valor. Considerando que os governos têm milhares de categorias de dados quem poderiam divulgar, o potencial é enorme.
Os governos têm tendência a esconder informação, e não a distribuí-la. Como mudar isso?
A ideia de que a concentração de informação é sinônimo de poder faz parte do velho modelo industrial. Quando retemos conhecimento e informação, criamos poder sobre as pessoas. No novo modelo, criaremos poder por meio das pessoas. O caso da Goldcorp, empresa do setor de mineração, é exemplar. A companhia estava insegura sobre onde tentar explorar ouro e tomou uma atitude inédita: divulgou seus dados geológicos, que normalmente são o grande segredo desse setor, e ofereceu um prêmio a quem tivesse a melhor análise que indicasse onde fazer uma exploração. A empresa pagou 500 mil dólares em prêmio e encontrou 3,4 bilhões de dólares em ouro. O valor de mercado da Goldcorp pulou de 90 milhões para 10 bilhões de dólares.
Na era da colaboração em massa, as pessoas serão mais influentes do que hoje, seja como cidadãos, eleitores ou consumidores?
As revoluções no Oriente Médio são a prova de mudança dessa natureza. Até três meses atrás, todas as revoluções eram verticais. Havia um líder e uma vanguarda. Eles organizavam a revolução e, quando o velho regime caía, tomavam o poder. A mesma dinâmica pautava todas as revoluções, pouco importando seu arcabouço ideológico. Foi assim com George Washington, com Fidel Castro ou Mao Tsé-tung. Agora, como a internet reduz o custo da colaboração, as pessoas podem se unir da noite para o dia com uma força tão extraordinária a ponto de, no Egito, derrubar Hosni Mubarak. O Oriente Médio está fazendo wiki-revoluções. São revoluções que só acontecem de modo repentino e horizontal em decorrência das mídias sociais, principalmente o Facebook. Na Tunísia , havia franco-atiradores da polícia escondidos nos telhados para disparar contra os manifestantes nas ruas. Os jovens rebeldes tiravam foto, triangulavam a localização dos franco-atiradores e mandavam os dados para aliados nas unidades militares, que, em seguida, saíam às ruas ara desmobilizar os atiradores. As mídias sociais não servem só para localizar a namorada ou fazer comunidade de jardinagem. Elas salvam vidas. Isso não quer dizer que a tecnologia esteja instigando levantes populares pelo mundo. Apenas que mudou o modo como são feitos. Antigamente, a militância saía colando cartazes nos postes.
Mas os regimes autoritários não censuram o fluxo de informação na internet, controlam a rede, podendo até tirá-la do ar?
É verdade, mas os governos árabes que tentaram cortar a internet deram um tiro no próprio pé. Os ditadores queriam impedir que os jovens se articulassem, mas o efeito colateral foi que o pequeno comerciante não pôde fazer sua encomenda on-line, a mãe não recebeu o diagnóstico do filho doente, e assim por diante.
Atualmente, em muitos países os jovens são maioria, vivem numa economia de desemprego altíssimo e têm acesso a uma tecnologia poderosa. É uma mistura explosiva, não?
Sim. Estamos caminhando para um choque de gerações. Começou na Tunísia, com a revolução do desemprego. Os jovens correspondem a uma enorme parcela da população hoje, à exceção da Europa Ocidental e do Japão. Além de numerosos, eles são a geração mais bem instruída da história, e a tecnologia lhes permite saber o que está acontecendo, distribuir informação e organizar respostas coletivas. Os jovens de hoje cresceram ouvindo que se estudassem com dedicação e não se metessem em problemas teriam uma vida confortável na idade adulta. Mentimos para eles. Chegaram ao mercado de trabalho e não há emprego. Esses jovens esperavam muito mais do que a realidade está lhes oferecendo.
A tecnologia digital conectada vai liberalizar também o regime chinês, que hoje é ditatorial?
Para mim, é inquestionável que as restrições da China à liberdade de expressão causam danos à economia. A longo prazo, a Índia, por ser mais aberta e ter uma sociedade mais colaborativa, tem melhores chances que a China. A Foxconn é a maior fabricante de componentes eletrônicos do mundo, emprega 900 mil pessoas na China, mas é descrita como uma prisão de segurança mínima. Boa parte dos trabalhadores mora na própria fábrica. A taxa de suicídio é alarmante. Pesquise imagens da Foxconn no Google. Você verá que colocaram redes em torno do edifício para impedir que os trabalhadores se matem jogando-se da janela. A Foxconn, com seu regime militar de produção, pode ser ótima para a economia, mas seu benefício é limitado.
A inteligência está na rede
Revista Veja, ed. 2212, de 13/04/2011, pp. 19/23 (páginas amarelas)
O canadense Don Tapscott, 64 anos, fala em um ritmo pré-digital: lento, cadenciado, meticuloso. Nada nele trai que foi um rebelde nos anos 60, insurgindo-se contra a guerra no Vietnã e na opressão da mulher, ou que seja hoje um dos mais respeitados estudiosos do impacto da tecnologia nas empresas e nas sociedades. Autor e coautor de catorze livros, Tapscott participará no dia 3 de maio, em São Paulo, a convite do Grupo TV1, de um seminário sobre o futuro do marketing. A internet, diz ele, não muda o que aprendemos, mas o modo como aprendemos – e o impacto disso será tão intenso quanto a invenção dos tipos móveis da imprensa por Gutenberg. “Não vivemos na era da informação. Estamos na era da colaboração. A era da inteligência conectada”, explica. Na entrevista a seguir, Tapscott diz como vê as empresas e os governos da nova era.
Há tecnologias que melhoram a vida humana, como a invenção do calendário, e outras que revolucionam a história humana, como a invenção da roda. A internet, o iPad, o Facebook, o Google são tecnologias que pertencem a que categoria?
À das que revolucionam a história. O que está acontecendo no mundo de hoje é semelhante ao que se passou com a sociedade agrária depois da prensa móvel de Gutenberg. Antes, o conhecimento estava concentrado em oligopólios. A invenção de Gutenberg começou a democratizar o conhecimento, e as instituições do feudalismo entraram num processo de atrofia. A novidade afetou a Igreja Católica, as monarquias, os poderes coloniais e, com o passar do tempo, resultou nas revoluções na América Latina, nos Estados Unidos, na França. Resultou na democracia parlamentar, na reforma protestante, na criação das universidades, do próprio capitalismo. Martinho Lutero chamou a prensa móvel de “a mais alta graça de Deus”. Agora, mais uma vez, o gênio da tecnologia saiu da garrafa. Com a prensa móvel, ganhamos acesso à palavra escrita. Com a internet, cada um de nós pode ser seu próprio editor. A imprensa nos deu acesso ao conhecimento que já havia sido produzido e estava registrado. A internet nos dá acesso ao conhecimento contido no cérebro de outras pessoas em qualquer parte do mundo. Isso é uma revolução. E, tal como aconteceu no passado, está fazendo com que nossas instituições se tornem obsoletas. Os exemplos estão por toda parte. As instituições globais não conseguem resolver a crise da dívida na Europa. Os jornais estão entrando em declínio. As universidades estão perdendo o monopólio da educação superior. São instituições da era industrial, que estão finalmente chegando ao fim.
Quais são, na sua visão, as principais características da sociedade pós-industrial?
Na era industrial, tudo é feito para a massa. Criamos a produção de massa, a comunicação de massa, a educação de massa, a democracia de massa, a sociedade de massa. A característica central da sociedade industrial é que as coisas começam com um (aquele que tem o conhecimento) e chegam a muitos (aqueles que não têm conhecimento). No modelo da educação de massa, eu sou o professor, porque tenho o conhecimento, e os outros são os alunos, porque não têm o conhecimento. O fluxo é sempre no sentido de um para muitos. No sistema de saúde, eu sou o médico, porque tenho o conhecimento, e os outros são os pacientes, não apenas porque estão doentes, mas porque não têm o conhecimento. De novo, é de um para muitos. A democracia de massa funciona nos mesmos moldes. Os eleitores votam num dia, mas apenas um governa por alguns anos. Na sociedade pós-industrial, o conhecimento será transmitido não mais de um para muitos, mas de um para um ou de muitos para muitos. Será a era da inteligência em rede, num sistema de colaboração de massa.
No melhor espírito capitalista, as pessoas cuidam de seus próprios interesses. Por que subitamente se entregariam à colaboração coletiva?
Porque a internet está derrubando radicalmente o custo da colaboração e s era do interesse das pessoas colaborar umas com as outras. Por exemplo: a indústria chinesa de motocicletas é formada por centenas de pequenas empresas que cooperam entre si. Não há uma empresa central, uma sede, uma fábrica nos padrões tradicionais da era industrial. Os envolvidos se encontram em casas de chá ou conversam on-line. Cada um responde por uma parte do negócio. Um fabrica o sistema de ignição, outro faz os freios, um recolhe o dinheiro, outro opera o marketing do produto. Em pouco tempo, essa rede se tornou a maior indústria de motocicletas da China. No meu penúltimo livro, chamei esse sistema de wikinomia, a fusão de “wiki” com “economia”. É o princípio da Wikipédia aplicado à economia. A Wikipédia não tem dono, é feita por 1 milhão de pessoas, já é dez vezes maior que a Enciclopédia Britannica e é traduzida em 190 idiomas. Os estudos mostram que a Wikipédia é quase tão precisa quanto a Britannica. A wikinomia é a arte e a ciência da inovação colaborativa. Será a mudança mais profunda na estrutura das corporações em um século. Vai mudar o modo como inovamos, o modo como criamos bens e serviços. Como a internet reduz brutalmente o custo da colaboração, as pessoas podem se juntar e criar valor, sem o sistema tradicional de hierarquias.
Qual é o setor da economia que melhor aplica os princípio da wikinomia?
Há exemplos de empresas isoladas, não de setores inteiros. A Procter & Gamble, conglomerado de produtos de higiene e limpeza, está usando a colaboração em massa. Começou procurando uma molécula capaz de tirar mancha de vinho tinto da roupa. Em vez de buscar a resposta entre os 7 mil engenheiros químicos fora da empresa. Multiplicou a probabilidade de encontrar o que busca. Quem sabe um químico aposentado em São Paulo ou um químico recém-formado em Nova Délhi aparece com a resposta certa. Nesse caso, a P&G paga 300 mil dólares ao químico e fica com um novo produto.
Qual é o setor mais atrasado na wikinomia?
Sem dúvida, o setor financeiro. Os bancos funcionam na velha base da sociedade industrial. Pelo menos nos Estados Unidos, eles têm sido a própria negação dos cinco princípios centrais da nova economia, que são: colaboração, abertura, compartilhamento de propriedade intelectual interdependência e integridade. A crise financeira de 2008 é resultado da mais perfeita negação desses princípios.
Na economia tradicional, há uma tensão permanente entre o estado e a iniciativa privada. Nawikinomia, qual é o papel do estado?
Os governos, com as toneladas de informações que possuem, podem se transformar em plataformas para criação de valor. Recentemente, numa conversa com autoridades de Melbourne, a segunda maior cidade da Austrália, pedi um exemplo de dados arquivados pela polícia local. Eles citaram estatísticas sobre acidentes com bicicletas. Eu disse: “Ótimo. Então coloquem essas estatísticas na internet e aposto que, dentro de 24 horas, alguém vai aparecer com algum tipo de mapa interativo dos lugares mais perigosos. Em breve, as pessoas estarão evitando os locais mais perigosos e Melbourne estará salvando vidas sem gastar um tostão”. É um exemplo trivial de como os governos podem atuar como plataforma para criação de valor. Considerando que os governos têm milhares de categorias de dados quem poderiam divulgar, o potencial é enorme.
Os governos têm tendência a esconder informação, e não a distribuí-la. Como mudar isso?
A ideia de que a concentração de informação é sinônimo de poder faz parte do velho modelo industrial. Quando retemos conhecimento e informação, criamos poder sobre as pessoas. No novo modelo, criaremos poder por meio das pessoas. O caso da Goldcorp, empresa do setor de mineração, é exemplar. A companhia estava insegura sobre onde tentar explorar ouro e tomou uma atitude inédita: divulgou seus dados geológicos, que normalmente são o grande segredo desse setor, e ofereceu um prêmio a quem tivesse a melhor análise que indicasse onde fazer uma exploração. A empresa pagou 500 mil dólares em prêmio e encontrou 3,4 bilhões de dólares em ouro. O valor de mercado da Goldcorp pulou de 90 milhões para 10 bilhões de dólares.
Na era da colaboração em massa, as pessoas serão mais influentes do que hoje, seja como cidadãos, eleitores ou consumidores?
As revoluções no Oriente Médio são a prova de mudança dessa natureza. Até três meses atrás, todas as revoluções eram verticais. Havia um líder e uma vanguarda. Eles organizavam a revolução e, quando o velho regime caía, tomavam o poder. A mesma dinâmica pautava todas as revoluções, pouco importando seu arcabouço ideológico. Foi assim com George Washington, com Fidel Castro ou Mao Tsé-tung. Agora, como a internet reduz o custo da colaboração, as pessoas podem se unir da noite para o dia com uma força tão extraordinária a ponto de, no Egito, derrubar Hosni Mubarak. O Oriente Médio está fazendo wiki-revoluções. São revoluções que só acontecem de modo repentino e horizontal em decorrência das mídias sociais, principalmente o Facebook. Na Tunísia , havia franco-atiradores da polícia escondidos nos telhados para disparar contra os manifestantes nas ruas. Os jovens rebeldes tiravam foto, triangulavam a localização dos franco-atiradores e mandavam os dados para aliados nas unidades militares, que, em seguida, saíam às ruas ara desmobilizar os atiradores. As mídias sociais não servem só para localizar a namorada ou fazer comunidade de jardinagem. Elas salvam vidas. Isso não quer dizer que a tecnologia esteja instigando levantes populares pelo mundo. Apenas que mudou o modo como são feitos. Antigamente, a militância saía colando cartazes nos postes.
Mas os regimes autoritários não censuram o fluxo de informação na internet, controlam a rede, podendo até tirá-la do ar?
É verdade, mas os governos árabes que tentaram cortar a internet deram um tiro no próprio pé. Os ditadores queriam impedir que os jovens se articulassem, mas o efeito colateral foi que o pequeno comerciante não pôde fazer sua encomenda on-line, a mãe não recebeu o diagnóstico do filho doente, e assim por diante.
Atualmente, em muitos países os jovens são maioria, vivem numa economia de desemprego altíssimo e têm acesso a uma tecnologia poderosa. É uma mistura explosiva, não?
Sim. Estamos caminhando para um choque de gerações. Começou na Tunísia, com a revolução do desemprego. Os jovens correspondem a uma enorme parcela da população hoje, à exceção da Europa Ocidental e do Japão. Além de numerosos, eles são a geração mais bem instruída da história, e a tecnologia lhes permite saber o que está acontecendo, distribuir informação e organizar respostas coletivas. Os jovens de hoje cresceram ouvindo que se estudassem com dedicação e não se metessem em problemas teriam uma vida confortável na idade adulta. Mentimos para eles. Chegaram ao mercado de trabalho e não há emprego. Esses jovens esperavam muito mais do que a realidade está lhes oferecendo.
A tecnologia digital conectada vai liberalizar também o regime chinês, que hoje é ditatorial?
Para mim, é inquestionável que as restrições da China à liberdade de expressão causam danos à economia. A longo prazo, a Índia, por ser mais aberta e ter uma sociedade mais colaborativa, tem melhores chances que a China. A Foxconn é a maior fabricante de componentes eletrônicos do mundo, emprega 900 mil pessoas na China, mas é descrita como uma prisão de segurança mínima. Boa parte dos trabalhadores mora na própria fábrica. A taxa de suicídio é alarmante. Pesquise imagens da Foxconn no Google. Você verá que colocaram redes em torno do edifício para impedir que os trabalhadores se matem jogando-se da janela. A Foxconn, com seu regime militar de produção, pode ser ótima para a economia, mas seu benefício é limitado.
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