1.
Perguntaram a um louco que havia perdido a sua chave na floresta por que estava
a procurando sob a luz do poste da rua, no que ele respondeu: aqui tem mais
luz. Procurar flexibilizar as garantias constitucionais na perspectiva de
resolver os problemas de Segurança Pública é procurar, como o louco, a chave no
mesmo lugar. Lugar caolho, imaginário de ilusões.
2.
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho há
muito denuncia a maneira pela qual o discurso da eficiência, inclusive Princípio Constitucional (CR, art. 37), para
os incautos de plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da
sumarização dos procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos,
enfim, ao preço da democracia (Júlio Marcellino Jr). A razão eficiente que
busca a condenação “fast-food” implicou nos últimos anos na “McDonaldização” do Direito Processual
Penal: Sentenças que são proladas no estilo “peça pelo número”. A
“standartização” da acusação, da instrução e da decisão. Tudo em nome de uma
“McPena-Feliz”. Nada mais cínico e fácil de ser acolhido pelos atores jurídico,
de regra, “analfabetos funcionais.”
3. A primeira questão, com efeito, a ser enfrentada é a do
“ator jurídico analfabeto funcional”, ou seja, ele sabe ler, escrever e fazer
conta; vai até à feira sozinho, sendo incapaz de realizar uma leitura
compreensiva. Defasado filosófica e hermeneuticamente, consegue ler os códigos,
mas precisa que alguém – do lugar do Mestre – lhe indique o que é o certo. Sua
biblioteca é composta, de regra, pela “Coleção de Resumos”, um livro
ultrapassado de Introdução ao Estudo de Direito – desses usados na maioria das
graduações do país –, acompanhado da lamúria eterna de que o Direito é
complexo, por isso é seduzido por Paulo Coelho. Quem sabe, com alguns
comprimidos de “prozac” ou algo do gênero, para, imaginariamente, dar conta.
Complementa o “kit nefelibata” – dos
juristas que andam nas nuvens – com um CD de Jurisprudência ou acesso aos
“sites” de pesquisa jurisprudencial, negando-se compulsivamente a pensar. O
resultado disto, por básico, é o que se vê: um deserto teórico no campo
jurídico, em que cerca de 60% – sendo otimista – dos atores jurídicos são
incapazes de compreender o que fazem. Para além da “opacidade do direito” (Carcova)
e sua atmosférica mito-lógica (Warat), existe uma geléia de “atores jurídicos
analfabetos funcionais”. Esses, por certo, não sabem compreender
hermeneuticamente, porque para isso precisariam saber pelo menos do giro
linguístico (Rorty), isto é, deveriam superar a Filosofia da Consciência em
favor da Filosofia da Linguagem. Seria pedir muito? Talvez. Mas é preciso
entender que o sentido da norma jurídica (norma: regra + princípio) demanda um círculo hermenêutico (Heidegger e Gadamer), incompatível com os
essencialismos ainda ensinados na graduação: vontade da norma e vontade do
legislador, tão bem criticados por Lenio Streck.
4.
No campo Direito e Processo Penal, a situação é patológica. É que as gerações antecedentes, a saber, os atuais
atores jurídicos (professor, juiz, promotor, procurador, advogado, delegado,
etc), em grande parte, não sabem também compreender. São, na maioria, “juristas
analfabetos funcionais” que pensam que pensam juridicamente e, não raro, ocupam
as cátedras de ensino, incapazes, porque não dominam, de repassar uma cultura
democrática. Estes, portanto, muitos de boa-fé – reconheço –, acreditam que
ensinam Direito, quando na verdade ensinam o estudante de Direito a fazer a
“feira da jurisprudência”. Esse processo de fazer a “feira da jurisprudência”
significa encontrar uma decisão consolidada, remansosa – como gosta de dizer o
“senso comum teórico dos juristas” (Warat). É facilitada atualmente pela adoção
de posturas totalitárias, como a do Supremo Tribunal Federal ao editar no seu
“site” a Constituição da República interpretada pelos Ministros! Aplaudida
pelos incautos de sempre, este documento é fascista, porque sob a fachada de
informação, esconde interesses inconfessáveis de “normatização”, de uma
“Constituição do Conforto Hermenêutico”. Não foi à toa que a Emenda
Constitucional n. 45 consagrou a Súmula Vinculante, a qual deve ter resistência
constitucional, como quer Lenio Streck, redundando no que aponta como a “baixa
constitucionalização do Direito”.
5.
Cabe destacar, também, no campo penal, que com a queda do Muro de Berlim e o
fim da guerra fria, para justificação da opressão, precisou-se de um novo inimigo, não mais externo, mas interno.
Nesse contexto, o discurso de almanaque tornou, por razoável tempo, a droga o
grande bode expiatório dos males mundiais, justificando,
assim, a intervenção dos “Guardiães Mundiais”, os Estados Unidos da América –
EUA – na preservação do “bem mundial” (Rosa del Omo). Entretanto, com os
ataques de 11 de setembro, o foco modificou-se para os “terroristas” (Walter
Russel Mead). Essa figura oculta, de difícil compreensão, desde uma
intolerância ocidental, num mundo globalizado (Beck), autoriza, pela
“necessidade” a suspensão do Estado Democrático de Direito (Agamben). O
desconhecido, o estrangeiro (Julia Kristeva, com base na psicanálise, sabe que
ele atua justamente em nós), o mito, o demônio com nova roupagem, materializado
pelo “terrorista” que funciona como um estereótipo de tudo o que atrapalha a
“paz” da nova “ordem mercadológica neoliberal mundial”.
6.
Agamben aponta que o poder
encontra-se na “exceção”, a saber, na possibilidade de que se exclua a regra de
aplicação geral e se promova, para o caso, uma outra decisão, apartada dos
Princípios da Legalidade e da Igualdade. Esse poder encontra-se indicado pela
estrutura, segundo a qual existe um lugar autorizado a escolher, que se
encontra, ao mesmo tempo, dentro e fora de uma estrutura jurídica, conforme o
pensamento de Carl Schmitt, na interseção entre o jurídico e político. Esta
distinção, todavia, entre jurídico e político precisa ser problematizada, não
se podendo colocar, em absoluto, incomunicáveis, apesar de ocuparem lugares
diversos (Zizek e Werneck Vianna).
Neste pensar, segundo Agamben, “o estado
de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma
legal.” Desta maneira, rompendo com
uma concepção platônica de Verdade e Justiça, bem assim de que a linguagem não
é o meio de adequação da realidade (Heidegger e Streck), o processo ganha um lugar de limite (Fazzalari e Catoni). Um limite que cerca, mas não consegue
segurar o “poder de exceção”, até porque se mantido o discurso da salvação, em
nome da “bondade dos bons” (Agostinho Ramalho Marques Neto), vale tudo.
7.
Evidentemente que esta afirmação precisa ser adubada com muita empulhação
ideológica – Direito Penal do Inimigo
de Günter Jakobs, ou Teoria das Janelas
Quebradas – importada do aplaudido primeiro mundo. Essa postura Pangloss (Voltaire) serve, muito bem, aos interesses ideológicos que
manipulam os atores jurídicos. Com esses ingredientes facilmente instaura-se o processo penal de exceção, cujo
fundamento de conter as mazelas sociais e brindar os privilegiados consumidores
com segurança, encontra antecedente histórico nas ditaduras. Plenos poderes, apreensões de averiguação, prisão
provisória de regra, tortura (psicológica, física e química), tudo passa a ser
justificado em nome de um argumento cínico maior: o “bem comum”, consistente na
segurança de todos, inclusive de quem está sendo apreendido e, eventualmente,
excluído. O Direito de Exceção, em
nome do bem dos acusados, e antes da Sociedade, suspende as garantias
processuais, previstas na Constituição da República e nos Tratados de Direitos
Humanos, por entender que elas são um entrave à redenção moral do infrator e à
Segurança Coletiva. Assim é que, seguindo Agamben, é necessário se buscar parar
esta máquina, para que os acusados não se transformem – mais ainda – na figura
do “musulmán” de Auschwitz retratada
por Agamben. Embalados pela necessidade de conter a (criada) escalada de atos
criminal, ou seja, a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a
exclusão novamente, via sistema penal, e os excelentes funcionários públicos
nefelibatas – tal qual Eichmann –, na melhor expressão Kantiana, cumprem suas
funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade social
(Zafaroni-Pierangeli), da qual somente se pode tangenciar – como de costume –
cinicamente. Para esses, no interesse do acusado, a necessidade derruba qualquer barreira processual, pois, sabe-se com
Agamben, que a necessidade não tem lei,
isto é, não reconhece qualquer limitação, criando sua própria lei. A construção
fomentada e artificial de um estado de risco, adubada pelo terrorismo, faz com
o que o discurso se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o
Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total.
8.
Em nome da claridade surge a
explosão do controle total, lembrando George Orwell, em seu “1984”. Entretanto, a obscena pretensão
de transparência total, em nome do (dito) interesse público, bem demonstrada na
tese de doutorado de Túlio Lima Vianna, esconde interesses ideológicos
obliterados da discussão manifesta. É no latente, no que marca o “sublime
objeto da ideologia”, para usar uma expressão de Zizek, que desponta o que
tocaia. Por isto que estas considerações procuram estabelecer um diálogo a
partir da Economia. A eficiência do controle é compartilhada pela questão dos
custos. A Análise Econômica do Direito Penal – “AEDP” – defendida por muitos,
dentre eles Posner, inclusive uns que se alastram no Brasil, defende que o
“crime” precisa, ainda e necessariamente, atender o critério de custos. O
cárcere é caro, custa muito. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado – é
simbolicamente importante para o discurso totalitário (e inconstitucional), mas
não justifica sua universalização por aumentar despesa. Logo, a pretensão de
muitos é o estabelecimento de controles em liberdade, de toda a sociedade,
tornando-se esta num “panóptico digital”. Perceba-se que com isto se controla,
via um simples GPS ou um telefone, a localização, por rua, do assujeitado, por
Monitoramento Eletrônico ou mesmo via cartão de crédito e telefone celular, por
suas antenas. Além disso, controla-se onde se esteve e se impede, pensam, as re-uniões
criminosas. Daí é que em nome da eficiência do controle, invoca-se “Tim Maia” e
“vale tudo”. O Direito que procura fazer obstáculo é tornado, em nome da
segurança de todos, reflexivo. Puro embuste.
9. De qualquer forma, isto é
evidente, existe um inescondível condicionante econômico para que a realidade,
entendida como os limites simbólicos, seja manipulada na ambivalência
“medo-segurança”, que toca no mais íntimo e estranho do sujeito (Freud). Monitorar, registrar e reconhecer, diz Túlio Vianna, para o seu
próprio bem, implica, necessariamente numa versão de Estado Totalitário. A
banalização ideológica, em nome do discurso único do capital, apresenta sob a
flâmula sedutora da Liberdade toda
sorte de justificativas para o fenecimento da solidariedade. Com o egoísmo, os
meios, tudo passa a se justificar. As
pretensões éticas (bem) e morais (bom) devem se adaptar às necessidades de um
Mercado sem lei, sem limite, cujo muro se avizinha. Sem limite, por básico,
não há desejo. A questão parece ser que a destruição da ficção Estado abre espaço para a Liberdade representada pelo Mercado. Nessa ironia de defender a Liberdade de todos mediante o
agigantamento do controle, parece-me, num giro de linguagem, aplicável
plenamente ao discurso neoliberal e suas teorias (Justiça, Direito Penal do
Inimigo, etc..). O Direito Penal, no projeto Neoliberal, possui papel fundamental na manutenção do sistema, eis
que mediante a (dita) legitimação do uso da coerção, impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos
engajados no projeto social-jurídico naturalizado, sem que se dêem conta de
seus verdadeiros papéis sociais. Acredita-se que se é um excepcional
funcionário público, tal qual Eichmann (em Jerusalém), ou seja, um sujeito cuja
normalidade indicava a “Normalpatia” apontada por L.F. Barros, isto é, no seu
excesso patológico. Esta a submissão alienada é vivenciada dramaticamente pelos
metidos no processo penal.
10. O discurso do ‘determinismo
positivista’ é realimentado em face das condicionantes sociais, reeditando a necessidade
de ‘tutelar’ os desviantes – consumidores falhos, “lixo humano”, como se refere
Bauman – mediante prevenção, repressão e terapia. O
Estado Intervencionista da ‘Nova Escola Penal’ está de volta na sua missão de
defender os cidadãos ‘bons e sadios’ dos ‘maus e doentes’, desenterrando o
discurso etiológico, perfeitamente conveniente para mídia e para classe
dominante. Sob o mote de curar ao mal,
tendo a sociedade como um organismo vivo, na perspectiva de uma vida social
sadia, a violência oficial se mostra mais do que justificada: é necessária à
sobrevivência social, ainda mais contra o “terrorista social”.
11. Agamben deixa evidenciado que o
poder soberano se apropria do poder de dizer o direito, podendo o Princípio da
Legalidade cercar, sem nunca segurar, por básico, o sentido que advém de um
processo constante de compreensão. Entre texto (fato gráfico) e norma (produto
da interpretação), diz Cordero, existem opções múltiplas que somente os
iludidos de sempre conseguem acreditar, em sua fé inabalável, em sentidos
unívocos, ou seja, em segurança jurídica. O Princípio da Legalidade e a
Segurança Jurídica, assim, são dois presentes trazidos por “Papai Noel” aos
felizes “atores jurídicos analfabetos funcionais” em Direito e que se
esgueiram, todos os dias, nos foros deste imenso país. A sensação que se
apresenta, em cada processo penal, é a de que se vive numa fantasia paranóica,
a saber, imaginária: uma farsa. Algo
que foi nomeado (por mim) como sendo Complexo
de Truman. Muitos acreditam que o processo é a realidade, perfeitamente
construída para apaziguar a falta nossa de cada dia. Uma fraude para manter os
atores jurídicos artificialmente felizes. Não há mundo além do processo, do semblante construído por significantes.
É a posição nefelibata. No filme foi
preciso arrombar a porta para se dar conta de que existe mais. Enfim, que
existe um mundo para além do construído artificialmente. Este é o desafio.
Zizek, Warat e Mellman falam do homem
sem gravidade, de baixa calorias, que vive por viver, vai – talvez embalado
por uma destas teorias orientais da moda – sem eira nem beira. Mas existem
vítimas! Que se danem – dizem –, não sou eu. Essa lógica “do meu umbigo” move,
de regra, os enleados no processo penal. Uma fraude encenada em que se mantém a
pose de democrata, com muita maquilagem cínica e a vítima, o Homo-Sacer de Agamben, não tem pena, se
aplica pena.
12. As vidas que se escondem nos
processos penais, na sua grande maioria, são irreais para os promotores,
advogados e juízes que assistem como se fosse mais um filme de mau-gosto,
protagonizado por artistas que não merecem o papel. Deveriam ser retirados de
cena. E são. É preciso retornar ao que Zizek aponta como o “Deserto do Real”,
saindo do semblante do universo processual artificial construído para que
possamos, como jogadores do processo, esquecer que existem pessoas morrendo.
Gente. Como qualquer um intervenientes do processo. Mas como não se consegue ter a dimensão do que acontece, dado que o
semblante da ficção e suas verdades, para alguns Real, ocupa o lugar do que se
passa. Esse discernimento entre o real e o ficcional é o desafio num mundo
sem perspectivas que não o “Shopping Center”.
13.
Acrescente-se a isto tudo um vagaroso e eficaz processo de cooptação ideológica, na
linha de Gramsci, dos atores jurídicos, pretensamente participantes da classe
média e do consumo. Sedentos por segurança querem excluir, prender, matar
simbolicamente, os de sempre: o diferente. A perspectiva de que querem acabar
com a nossa paz social – nunca obtidade ou mesmo existente – que transforma o
“furtador” – de xampu a carteiras – no “terrorista” responsável por nossa toda
a infelicidade coletiva. Então, cadeia neles.. Penas mais altas. Exclusão! Mas como não funciona, porque
não dá conta, mesmo, surge a compulsão por mais condenações, prisões,
execuções, ideías loucas de castração, coleiras, Sex offender, apitos....
14.
Esses dias, um amigo – o Zé –, pessoa do povo, perguntou-me porque quem é preso
em flagrante não vai direto cumprir pena? Por que o processo? Respondi que
estamos, ainda, numa democracia em que o processo como procedimento em
contraditório (Fazzalari) é o mecanismo democrático para se apurar a
responsabilidade de alguém. Ele me respondeu que não precisa. Entendi a posição
dele, até porque um homem pragmático. No Brasil, essa posição de execução
antecipada, embora vedada pela Constituição, continua sendo a prática. Basta
perceber que se homologa flagrante formalmente em diversas comarcas, nega-se a
soltura de meros conduzidos com as justificativas mais loucas, tudo em nome da
paz da sociedade, como Bush fez para atacar o mundo, bem sabem os Iraquianos. Isto bem demonstra a estrutura Inquisitória
do Sistema Processual Penal brasileiro que mantém a pose democrática, mas
exerce a mais violenta forma de sequestro preliminar da liberdade. Todavia,
quem respira um pouco de oxigênio democrático, sabe que somente o processo pode
fazer ceder, via decisão transitada em julgado, a muralha da presunção de inocência, justamente porque é a Jurisdição a única que pode assim proceder. Ferrajoli bem sabe da
impossibilidade de se extinguir as prisões cautelares (Leandro Goernick).
Entretanto, mostra-se intolerável que as pessoas fiquem presas sem culpa, sem
processo, presas pelo que são e não pelo que fizeram, em processos decorrentes
de “furtos de moinhos de ventos”. O processo precisa de tempo, e tempo é
dinheiro. No mundo da eficiência,
todavia, quer-se condenações no melhor estilo dos Tribunais Nazistas.
Imediatamente. Sem direito de defesa e transmitidas ao vivo, com patrocinadores
a peso de ouro e muita audiência: plim-plim. A fórmula é a de sempre:
Juvenal dizia: Pão e Circo. E quando acontecem prisões/condenações como a de Zé
Dirceu e/ou Paulo Maluf a coisa fica pior, porque a Esquerda Punitiva é
caolha, bem sabe Maria Lúcia Karam, não se dá conta de que relegitima o sistema
penal, indica Juarez Cirino dos Santos. “Agora
até o fulano vai preso”. E se
Ele vai preso, com mais razão o “ladrãozinho” de frango de Televisão de
Cachorro também. Então, quando se fala, na EC/45 de prazo razoável para os
processos, muitos aplaudem a novidade, não fosse ela já uma velha disposição
Constitucional, aderida ao corpo dos direitos fundamentais por força do art. 5o,
§ 2o, da CR/88. Para saber disso, contudo, seria preciso conhecer os
Direitos Humanos, coisa que poucos conhecem... Daí que a barbárie se instaura e
dá no que dá! Mediante um giro de sentido, os nazistas de plantão passaram a
dizer que o a Sociedade (e não o acusado) precisa da decisão num prazo razoável
e por isso a sumarização do processo, com a restrição da defesa. As alquimias,
como fala Aury Lopes Jr, começaram. Inverte-se a lógica em nome do Bem, do
Justo, lugar sempre empulhador.
15. Demora-se muito para julgar porque – fora a esculhambação que são os Juizados Especiais Criminais, onde vale
tudo e se dá um tratamento rápido e inconstitucional a questões sociais, a
saber, dificilmente um Termo Circunstanciado é crime: pode ser briga entre
parentes, vizinhos, xingamentos, latido de cachorro, direito de vizinhança – a coisa
deveria ser séria. Mas como não se têm acesso ao Judiciário no Cível, resta a
“queixa” na Delegacia. Um programa de auditório de mau-gosto, onde os pobres
entram com sua ficha de antecedentes e, até, com o corpo. No juízo comum,
denuncia-se falta de pagamento de imposto, furto de sabonete, calcinha e coisas
do gênero. Não sobra tempo, de fato, para o que importa numa sociedade em que o
Direito Penal deveria ser mínimo (Ferrajoli e Salo de Carvalho). Se for mínimo,
contudo, não faz o que é sua função oculta (Baratta): criminalizar a pobreza, os consumidores falhos, mantendo a “hi-Society”
nas suas coberturas sociais.
16.
Alguma coisa anda fora da ordem, dizia Caetano há um tempo. Hoje as coisas já
estão dentro da nova ordem neoliberal mundial, inclusive o processo penal:
Sumário, eficiente. De outro lado, o Conselho Nacional da Justiça, órgão criado
para ser o Grande Irmão de Orwell. Diretamente de 1984 para 2013, começa a
fazer seus estragos, apesar de seu possível papel democrático. Um “denuncismo”
sem precedentes, onde não raro surgem as vaidades afloradas, os narcisismos das
pequenas diferenças, diria Freud. Números, eficiência, empulhação... Para que
direito de defesa se tenho que baixar o meu mapa? Para que ouvida de
testemunhas se o processo vai ficar no mapa? O Juiz Astrólogo: só quer saber de mapa. Ainda mais quando depende da
produtividade para conseguir promoção! A pretensão de transparência e
eficiência do Judiciário tornou a situação extremamente ambígua. Por outro
lado, defende-se a formação permanente dos magistrados via Escolas da
Magistratura, as quais escondem o efeito de normatização dos juristas
analfabetos funcionais e, por outro, não se quer pensamento crítico, mas
cumprimento das decisões do STF e STJ. Eficiência, facilidade, cursos “rápidos
de como fazer uma decisão” para aprender a posição dominante, controlar as
idéias e do acesso à carreira, bem sabia Lyra Filho. Enfim, a docilização,
normatização indicada por Foucault.
17.
O Processo Penal Democrático, assim,
parafraseando Dworkin, precisa ser
levado a sério. O problema fundamental reside no fato de que a
justificativa para a exceção encontra-se encoberta ideologicamente.
Acredita-se, muito de boa-fé, a maioria, de que se está realizando o bem.
Salvando a Sociedade de um “Terrorista Social”. Esqueceu-se de que para o uso
do poder existem pelo menos dois limites: o processo e o ético (Dussel).
Exercer uma parcela do poder em face dos acusados é muito mais tranquilo para
os kantianos de sempre, fiéis
cumpridores das normas jurídicas, sejam elas quais forem. Os “acusados-terroristas-sociais”
passam a ser uma das faces da vida nua, isto é, “homo sacer”, a que é matável, mas não sacrificável. Assim, os
rostos do poder encontram-se maleáveis, mutantes, em torno de um lugar pensado
para não pensar, mas para cumprir acriticamente. Os soldados juízes estão aí
para aplicar a regra, numa Filosofia de “Cruz Vermelha” (Cyro Marcos da Silva),
rumo a salvação eficiente das almas destes pobres de espírito. Até quando
viverão felizes para sempre? Rever e compreender a mirada é o desafio, sempre.
A tarefa, percebe-se, não é singela, mormente porque é necessário abjurar o que
se acreditou com tanta fé, além de se expor à crítica virulenta dos iludidos de
sempre, cujo véu moral cega qualquer pretensão democrática, já que acreditam –
o Imaginário deslizando – estar
comprando um lugar no céu, na Ilha dos
Abençoados. Não se pode ter medo de
resistir. É preciso resgatar a Constituição Originária, na linha de Paulo
Bonavides, exercitar o controle de constitucionalidade difuso e deixar de fazer
como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se passa com as vítimas
do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as mortes: somos
co-autores, do nosso lugar, por omissão. Por
isso que ao se defender garantias constitucionais, hoje, o sujeito pode ser
preso em flagrante, sem liberdade provisória diante dos “maus antecedentes”.
18.
Quando Georg Lukács foi preso, o policial perguntou se estava armado, tendo
este lhe entregue calmamente a caneta. É preciso que as canetas pesem democraticamente,
mediante processo penal substancial a partir da teoria dos jogos. É preciso
correr-se riscos, porque preferível perecer pelas extremos do que pelas
extremidades, como aponta Baudrillard.
Nenhum comentário:
Postar um comentário